No período de 17 a 20 de maio estive em Cuba, en Piñar del Río / Comunidad de Las Terrazas, participando do Encuentro latinoamericano y caribeño de patrimonio comunitario com o objetivo de apresentar o Projeto Historias de Vidas Vividas. A princípio é sobre isto que vou comentar: sobre nossa participação nesse evento. E inicio dizendo que poucas vezes pude dizer que participar de um evento cultural tenha valido tanto! E valeu!!!
O encontro teve como eixo central o patrimonio comunitário, e, em um exemplo de coerencia foi constituido pela apresentação de trabalhos desenvolvidos pelos protagonistas das comunidades. Por consequência, o ambiente de trabalho tinha a marca da autenticidade, da sinceridade, e de muito comprometimento. O conjunto de comunicações feitas, em sua maioria, embora seguissem estruturas e orientações acadêmicas oficiais, destacavam-se pelo fato de que eram resultado de trabalhos desenvolvidos pelos proponentes dos projetos junto as suas comunidades e em prol delas. Razão pela qual estes trabalhos se caracterizavam pelo aspecto autoral, já que resultavam de vivências dos próprios proponentes. Uma parcela siginificativa dos trabalhos era oriunda de Cuba, e dentre estes, um número expressivo tinha origem na própria comunidade de Las Terrazas. E este foi um dos principais fatores na distinção deste evento em relação a outros tantos de marca essencialmente acadêmica. Neste, conceitos, pressupostos e orientações científicas foram suportes e recursos para a comunicação e não ao contrário, porque os trabalhos tinham sua motivação em interesses e necessidades das comnidades - embora, a maior parte dos participantes tenha formação acadêmica.
Da mesma forma, os trabalhos advindos de Venezuela, Equador, Bolívia, México, se caracterizaram por serem trabalhos destacadamente comunitários, desenvolvidos por coletivos formados por habitantes das comunidades. E sobressaiu-se, no conjunto das propostas, trabalhos que reivindicavam as pessoas e suas histórias como maior patrimônio sociocultural, ao mesmo tempo que reivindicavam que museus e instituições revizassem seus objetivos para incluir neles o papel sociocultural de dispositivos de agregação humanitária.
O conjunto destes fatores, fez com que, pela primeira vez, desde que iniciamos as atividades do Histórias de vidas vividas, eu tenha encontrado os interlocutores de trabalho que buscava. Nossos interesses e propósitos, ali, faziam sentido, e dialogavam com o conjunto dos outros trabalhos.
Sob outro aspecto, é merecido que se coloque em destaque o desenho da programação do evento, concebido pelos organizadores. Com uma estrutura marcada pela simplicidade, inteligência e sensiblidade, o evento configurou-se em uma imersão na comunidade
Las Terrazas: uma comunidade muito peculiar, planejada e edificada entre as montanhas, na qual, os habitantes, a maioria agricultores, extraem a sobrevivencia a partir dos recursos naturais e princípios comunitarios. O hotel Moka, localizado na referida comunidade, e local onde foram alojados quase todos os participantes, é um exemplo disto: os responsáveis pelo funcionamento do hotel são habitantes de
Las Terrazas, e o conjunto de edificios que o compõe está definitivamente integrado a paisagem - inclusive algumas árvores rompem pelos corredores, salas e quartos do hotel - e as atividades cotidianas da comunidade.
Todo evento ocorreu nesta comunidade, autosuficiente e marcada pelas relações de compartilhamento. Compromisso e inteligência cracterizaram o conjunto de atividades do programa, que, além de proporcionar aos participantes a convivência com os habitantes da localidade, proporcionou ainda , diariamente, após
as atividades, de cada dia, conhecer os arredores da região de Piñar del Río, como Sierra Maestra, e Sierra del Rosário, esta última, área declarada biosfera da humanidade.
Este desenho, estrutura, garantiu ao conjunto dos participantes, além de uma grande interação entre todos, uma convivência profunda com a cultura da região: nossas refeições foram feita a cada dia em algum dos restaurantes da comunidade, com comidas típicas, bem como os momentos de lazer sempre recheados pela música cubana e pela música específica da região.
Todos estes fatores estimulam a reflexão sobre o conceito de patrimônio comunitário. Agora, com o distanciamento proporcionado pelo tempo, entendo que nós, os participantes que ali estivemos, tivemos a oportunidade de vivenciar uma aula magna sobre o tema, e em termos absolutamente práticos... Chego a pensar que tudo foi muito, muito bem planejado inclusive neste aspecto. Ao mesmo tempo que apresentávamos nosso trabalhos, por exemplo, éramos 'expostos', colocados frente a frente, de forma visceral, com uma comunidade, que por sua vez tornava visível em cada gesto, em cada comportamento e fala, a sua origem nas milicias campesinas. O vocabulário predominante nos trabalhos, nas conversas durante os intervalos e passeios, repetido, reiterado, conecta va insistentemente passado, presente e futuro, e confirmava a hipótese de que estivemos neste lugar para vivenciar e colocar em prática este conceito: José Marti, milicias campesinas, mural da pré-história, casa del campesino, comunidade autosuficiente, práticas comunitárias, história oral, musical e pictórica, patrimônio e humanidade... E tudo isto ocorria como ocorre o fenômeno da respiração, de forma espontânea e como uma necessidade vital!
Será necessário mais tempo para processar esta vivência e para, principalmente, a partir dela refazer perspectivas.
Se Cuba vive hoje limitada por condições financeiras, tem de sobra arsenal para sobreviver no que se refere as questões identitárias: com certeza este aspecto não é um problema nesta nação porque a história está viva nos pensamentos, nos comportamentos e iniciativas de todos com os quais tivemos a oportunidade de conviver.
Patrimônio, para os cubanos, confirma o sentido etimológico primeiro: é uma herança do pai, mas, herança da qual resulta o conjunto de bens materiais e imateriais que não servem apenas como recordações, mas que se constituem na ferramentas e substrato para existência no presente.
Las chicas al cole!!! Viñedo. Foto Teresa Lenzi.
Gracias a todos por la oportunidad de vivenciar tanta cosa estupenda!