Apenas um registro dos registros
Sábado, dia 31 de novembro, ante-véspera do dia dos finados. Saída de campo à Ilha dos Marinheiros. Motivo: documentar o processo de colheita das flores e preparação dos ramalhetes e bouquets que, há gerações ocorre nesta comunidade. Este tema, uma sugestão da Rosângela, uma moradora engajada da ilha (já falamos sobre ela em outros relatos).
Como já é de costume, a saída de campo foi surpreendente. Percorremos toda a ilha, sem um roteiro pré-definido, seguindo as orientações da Lilian, que garantia que não seria difícil encontrarmos as pessoas desenvolvendo esta atividade. E de fato foi mais fácil do que imaginávamos. O tempo se fez favorável: embora fizesse calor não havia muito sol, e por vezes inclusive chuviscava, refrescando o ambiente. As pessoas que fomos encontrando trabalhando na colheita e na preparação dos arranjos foram sempre muito receptivas e espontâneas, e em todas as paradas fomos convidados a entrar nas propriedades para ver de perto a colheita, e todos atenderam as nossas perguntas e se permitiram ser fotografadas e serem entrevistadas em vídeo.
Entre Dálias, margaridas, ‘clavilinias’ (nome que nos foi informado), fomos apresentados a ‘flor da saudade’... Nenhum de nós, os não moradores da Ilha, conhecíamos a citada flor. Uma flor preta, que havámos observado à distância, e que, antes sermos apresentados a ela pelo Isair, havíamos deduzido que eram flores que haviam secado no pé, que estavam ‘mortas’!!! Primeira surpresa... Logo a informação de que a flor da saudade somente é plantada nesta localidade!!! E que é a flor mais tradicional no uso de arranjos para homenagens no dia dos finados. E que é muito procurada por habitantes de outras cidades, como Pelotas, por exemplo. E nós, riograndinos... sequer a havíamos visto alguma vez em nossas vidas. De surpresas em surpresas, e aprendizagens seguimos – difícil comentar todas experiências vividas durante cinco horas de caminhada, em lugar sempre tão novo e revelador, e sempre cheio de encontros, em um texto pequeno.
Importante destacar no conjunto das informações e experiências vividas nesta saída de campo, a constatação de que, embora os praticantes desta atividade não saibam precisar exatamente sua origem e herança - ainda que esteja claro para todos eles que foi uma atividade implementada por seus antepassados portuguêses - que ela continua existindo e continua sendo exercida pelas gerações mais jovens. Em uma das propriedades que tivemos acesso e na qual entrevistamos a toda a família, se encontravam reunidas trabalhando, três gerações: a avó, a filha e a neta (neste caso uma menina de 12 anos). As duas últimas, embora moradoras da cidade, ainda assim continuam, todo ano participando de todas as etapas da colheita e preparação dos arranjos.
Desta saída resultou um vasto material de documentação em fotografias e vídeos, que a partir de agora teremos que sistematizar... e esta é sempre a etapa mais difícil de executar em função da disponibilidade de tempo do grupo de pesquisadores/moradores da comunidade, em razão de seus horários escolares e da falta de equipamentos na ilha. Dentro destas condições, o faremos, lentamente mas com determinação.
Afora a riqueza de informações pertinentes ao tema que motivou a saída, merece destaque, no conjunto dos acontecimentos, a experiência vivida pelo grupo estrangeiro à comunidade. Fomos um grupo grande. Além do Marcus (bolsista oficial do projeto) e da Roberta (bolsista voluntária/permanente e co-autora das atividades), contamos com a companhia do Cláudio (companheiro de tantas viagens...), e de outros estudantes do curso de Artes Visuais: Rosaura, Andressa, Rodrigo, Bruno (nosso motorista nesta viagem). A experiência vivida pelos que, pela primeira estavam ali, é intraduzível em palavras... Ao final das atividades, o vivenciado, com todas suas surpresas, se encontrava desenhado em seus semblantes. Não posso dizer precisamente o que cada um deles sentiu, absorveu, ou como cada um ‘filtrou’ os acontecimentos vividos, mas posso garantir que foram felizes, suas expressões diziam tudo. Em um dos momentos finais, nos acercamos de uma das praias particulares (isto é um luxo que os moradores da ilha desfrutam assim, sem mais...) da casa de uma das famílias que nos recebeu, para apreciarmos o lago e as dunas. Neste momento, eu caminhava mais a frente do grupo e então parei para esperá-los, e me deparo com uma cena muito bonita. Constato o resultado do dia compartilhado em seus sorrisos, disposição e alegria. E registro a cena... Esta foto vale mais do que palavras.
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