Coçar e comer é só começar, escrever também.*

Outro dia, conversando com amigos, falávamos sobre a importância de escrever para articular as idéias. Refletindo sobre o trabalho que desenvolvo na Ilha dos Marinheiros - RG, percebi que faltava começar de uma vez esse exercício. Conversando então com a Teresa, orientadora do projeto, ela me sugeriu que fizesse um blog. Assim, seria uma ótima maneira de organizar o material, organizar as idéias, expor o pensamento e desenvolver o que penso e sinto em relação ao avanço do projeto. O projeto Histórias de Vidas Vividas: uma pesquisa compartilhada sobre a cultura portuguesa da ilha dos marinheiros, foi escrito em 2001 pela Profª Drª Teresa Lenzi. Adormecido até então, o projeto nasceu efetivamente em 2008, a partir da união da minha sede por trabalhar com essas linguagens (fotografia e audiovisual) e da determinação e dedicação da Teresa. Uma dupla que deu certo! Inicialmente a Professora não queria se envolver em projetos nesse período. Estava retornando de um longo período fora, quatro anos na Espanha para Doutorado. Mesmo assim, resolveu tentar. E fomos em frente. Primeiro passamos por um processo no qual não conseguimos classificação. Sem desistir, lá fomos nós!! Na segunda tentativa deu tudo certo!

Projeto aprovado e mãos a obra!

*frase extraída do livro Escrever é Preciso, de Mário Osório Marques

Roberta Cadaval

Felizes estamos na condição de aprendizes e especialistas

Histórias de vidas vividas, é agora um projeto de Pesquisa / PROBIC /FURG / ILA / Curso de Artes Visuais - Licenciatura e Bacharelado. Antes era uma idéia. Mas não era uma idéia descomprometida, do tipo uma coisa entre outras tantas coisas que ocorrem e desaparecem. Não, Histórias de vidas vividas tem raízes mais profundas: é uma idéia que tomou forma lentamente a partir de indagações, percepções, avaliações e posicionamentos que fui desenvolvendo no decorrer da minha vida, relacionados especialmente com os pensamentos e poder descritivo e centralizador de alguns grupos sociais sobre outros. Desde muito cedo, muito antes de receber a alcunha de adulta, já tinha por 'hábito' indagar sobre estas questões, em todos os âmbitos: história, política, religião, cultura. Foi difícil compreender - e isto só foi possível através de muita leitura, viagens, convivências as mais diversificadas - que sempre existiram e existirão grupos e pensamentos dominantes. Que a história e / ou as histórias oficiais, por muito tempo foram escritas e contadas a partir dos interesses de grupos que entendiam estar mais habilitados a fazer isto (bom, civilizações riquíssimas foram extintas por serem consideradas inferiores, primitivas). A história das colonizações é uma prova disto (Herman Hesse, um europeu, há muito, muito tempo atrás, avaliou e ironizou esta situação em um belíssimo e caro texto chamado O Europeu). Eu, ainda muito jovem, diante das narrativas históricas, me indagava o que mais poderia haver além do que estava sendo contado... O tempo passou, não me tornei historiadora, mas continuei indagando e tentando aproximar este interesse da profissão que desenvolvo: Professora de Artes Visuais. A oportunidade de orientar o trabalho de conclusão de curso de Anna Morison, quando acadêmica do Curso de Artes Visuais da FURG, foi reveladora: Anna nasceu na Ilha dos Marinheiros (um lugar especial, com histórias e uma cultura muito particular que atrai a atenção de pesquisadores das mais diversas áreas) decidiu dedicar-se, enquanto espécie autêntica, a historicizar e narrar a vida desta comunidade. E o fez de maneira bonita: simples, sincera, afetiva e criativa. Foi com esta experiência que percebi que o autóctone, quando instrumentalizado, de posse de ferramentas de trabalho, tem condições de narrar, ou como queiramos, de sistematizar sua própria história. Foi, neste ano de 2001, que elaborei este projeto (que por distintos fatores ficou no papel até o ano de 2008) centrado no objetivo de instrumentalizar comunidades a exercitar e vivenciar esta experiência. O encontro com a Roberta foi providencial. Mais, foi definitivo. Roberta, a bolsista (bolsita capitão, bolsista timoneiro...) sabia da existência do projeto e, delicadamente (um elefante em miniatura) me convenceu a disputar uma bolsa PIBIC, que falhou, mas que imediatamente, menos de 2 meses depois, graças a sua persistência, aprovou um edital PROBIC... vingou!!! E a idéia é agora um fato, desde setembro de 2008 (méritos quase exclusivos da persistente bolsista capitão, timoneiro, almoxarife e etc). Roberta não desiste, é persitente, disciplinada, silenciosamente voraz e quer o mesmo que eu: estimular e oferecer como ferramentas à comunidade, nossas habilidades e habilitações na Área audiovisual. A experiência até o momento supera toda e qualquer espectativa. O ilhéu tem demonstrado que histórias contadas na primeira pessoa podem revelar que o pesquisador também pode por vezes ser apenas um aprendiz. Felizes estamos na condição de aprendizes e especialistas que compartilham conhecimentos. Por ora paro por aqui, com Eduardo Galeano, que nos diz:

Para que a gente escreve, se não é para juntar nossos pedacinhos? Desde que entramos na escola ou na igreja, a educação nos esquarteja: nos ensinam a divorciar a alma do corpo e a razão do coração.
Sábios doutores de Ética e moral serão os pescadores das costas colombianas, que inventam a palavra sentipensador para definir a linguagem que diz a verdade.

Galeano, Celebração de bodas da razão com o coração, em O livro dos abraços.

Teresa Lenzi

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Sementes da Flor da Saudades. Ilha do marinheiros. 31 de outubro de 2009.

Apenas um registro dos registros

Sábado, dia 31 de novembro, ante-véspera do dia dos finados. Saída de campo à Ilha dos Marinheiros. Motivo: documentar o processo de colheita das flores e preparação dos ramalhetes e bouquets que, há gerações ocorre nesta comunidade. Este tema, uma sugestão da Rosângela, uma moradora engajada da ilha (já falamos sobre ela em outros relatos).

Como já é de costume, a saída de campo foi surpreendente. Percorremos toda a ilha, sem um roteiro pré-definido, seguindo as orientações da Lilian, que garantia que não seria difícil encontrarmos as pessoas desenvolvendo esta atividade. E de fato foi mais fácil do que imaginávamos. O tempo se fez favorável: embora fizesse calor não havia muito sol, e por vezes inclusive chuviscava, refrescando o ambiente. As pessoas que fomos encontrando trabalhando na colheita e na preparação dos arranjos foram sempre muito receptivas e espontâneas, e em todas as paradas fomos convidados a entrar nas propriedades para ver de perto a colheita, e todos atenderam as nossas perguntas e se permitiram ser fotografadas e serem entrevistadas em vídeo.

Entre Dálias, margaridas, ‘clavilinias’ (nome que nos foi informado), fomos apresentados a ‘flor da saudade’... Nenhum de nós, os não moradores da Ilha, conhecíamos a citada flor. Uma flor preta, que havámos observado à distância, e que, antes sermos apresentados a ela pelo Isair, havíamos deduzido que eram flores que haviam secado no pé, que estavam ‘mortas’!!! Primeira surpresa... Logo a informação de que a flor da saudade somente é plantada nesta localidade!!! E que é a flor mais tradicional no uso de arranjos para homenagens no dia dos finados. E que é muito procurada por habitantes de outras cidades, como Pelotas, por exemplo. E nós, riograndinos... sequer a havíamos visto alguma vez em nossas vidas. De surpresas em surpresas, e aprendizagens seguimos – difícil comentar todas experiências vividas durante cinco horas de caminhada, em lugar sempre tão novo e revelador, e sempre cheio de encontros, em um texto pequeno.

Importante destacar no conjunto das informações e experiências vividas nesta saída de campo, a constatação de que, embora os praticantes desta atividade não saibam precisar exatamente sua origem e herança - ainda que esteja claro para todos eles que foi uma atividade implementada por seus antepassados portuguêses - que ela continua existindo e continua sendo exercida pelas gerações mais jovens. Em uma das propriedades que tivemos acesso e na qual entrevistamos a toda a família, se encontravam reunidas trabalhando, três gerações: a avó, a filha e a neta (neste caso uma menina de 12 anos). As duas últimas, embora moradoras da cidade, ainda assim continuam, todo ano participando de todas as etapas da colheita e preparação dos arranjos.

Desta saída resultou um vasto material de documentação em fotografias e vídeos, que a partir de agora teremos que sistematizar... e esta é sempre a etapa mais difícil de executar em função da disponibilidade de tempo do grupo de pesquisadores/moradores da comunidade, em razão de seus horários escolares e da falta de equipamentos na ilha. Dentro destas condições, o faremos, lentamente mas com determinação.

Afora a riqueza de informações pertinentes ao tema que motivou a saída, merece destaque, no conjunto dos acontecimentos, a experiência vivida pelo grupo estrangeiro à comunidade. Fomos um grupo grande. Além do Marcus (bolsista oficial do projeto) e da Roberta (bolsista voluntária/permanente e co-autora das atividades), contamos com a companhia do Cláudio (companheiro de tantas viagens...), e de outros estudantes do curso de Artes Visuais: Rosaura, Andressa, Rodrigo, Bruno (nosso motorista nesta viagem). A experiência vivida pelos que, pela primeira estavam ali, é intraduzível em palavras... Ao final das atividades, o vivenciado, com todas suas surpresas, se encontrava desenhado em seus semblantes. Não posso dizer precisamente o que cada um deles sentiu, absorveu, ou como cada um ‘filtrou’ os acontecimentos vividos, mas posso garantir que foram felizes, suas expressões diziam tudo. Em um dos momentos finais, nos acercamos de uma das praias particulares (isto é um luxo que os moradores da ilha desfrutam assim, sem mais...) da casa de uma das famílias que nos recebeu, para apreciarmos o lago e as dunas. Neste momento, eu caminhava mais a frente do grupo e então parei para esperá-los, e me deparo com uma cena muito bonita. Constato o resultado do dia compartilhado em seus sorrisos, disposição e alegria. E registro a cena... Esta foto vale mais do que palavras.




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