lembrar do que me faltou de maneira muito particular;
e eu me lembro (...) Sim, eu me lembro. Eu me lembro,
sou filho de imigrante, me lembro, sou órfão, me lembro,
perdi o paraíso, me lembro, fui autodidata, me lembro,
e tenho que me lembrar de tudo isto para que minhas
carências, minhas faltas, a fonte de
minhas dores tornem-se produtivas.
Edgar Morin (Argumentos para um método)
1. Desenvolver um trabalho de pesquisa histórica e memorial em parceria com alunos de escolas da comunidade da Ilha dos Marinheiros/RS, capaz de promover a interatividade das diferentes gerações, com o objetivo de elaborar uma história da cultura dos imigrantes e descendentes luso-brasileiros desta comunidade, que abarcasse desde a chegada dos primeiros imigrantes até a contemporaneidade, e com ênfase na sua cultura e modos de vida.
Quer dizer, tínhamos os objetivos e os meios de trabalho muito claros: sabíamos o que e porque queríamos desenvolver esta pesquisa com esta forma. Segundo apresentação do Projeto: propúnhamos uma ação com vistas à descentralização da autoria dos relatos de histórias de vida de comunidades específicas, pretendendo assim distinguir esta pesquisa de outras pesquisas históricas convencionais, nas quais predomina a visão do pesquisador, para dar prioridade ao entendimento e o olhar do ilhéu, e, configurar assim, uma pesquisa/relato de histórias vividas. E, ainda segundo texto original do Projeto, tínhamos claras as razões pelas quais circunscrevíamos a pesquisa na Ilha dos Marinheiros: A delimitação da Ilha dos Marinheiros para o desenvolvimento deste trabalho, encontra sustentação na sua importância histórica reconhecida. Conhecida por ter sido sede de grande parte da colônia portuguesa, quando da sua chegada a esta região, a ilha se conforma em uma comunidade típica portuguesa, por muito tempo mantendo-se fiel às suas origens, preservando e adaptando hábitos e modos de produção às condições da nova pátria, que garantiram sua sobrevivência.
De fato, as atividades tem transcorrido em acordo com suas metas e determinações, com algumas limitações, quase sempre tecnológicas, já que não conseguimos os recursos materiais esperados. Mas, com estas questões estamos acostumadas... Entretanto, a pesquisa tem revelado surpresas - esperadas em qualquer pesquisa - e em consequência aprendizagens. Algumas delas adquirem muita importância, tamanho mesmo, porque dizem respeito às contínuas buscas que fazemos para encontrar filiações para o nosso trabalho, e por consequência métodos e uma metodologia que nos ajude a sistematizar, justificar, e legitimar acadêmicamente o caráter cientifico de nossa pesquisa. Caracterizamos originalmente o trabalho enquanto uma ação, através da qual pretendíamos estimular a comunidade ao exercício de uma reconstrução histórica, visando, além do levantamento histórico, a experiência do auto-reconhecimento, e reconhecimento da importância da comunidade. E ainda, descentralizar as visões e os entendimentos que são em geral mediados pela cultura erudita e especializada, e fornecer condições para que seus agentes se expressem e contem suas próprias histórias, (...). Porque, a partir deste entendimento talvez seja possível estimular a elaboração de narrativas espontâneas, ‘sem próteses culturais e intelectuais externas ao grupo, tal como entende Pierre Bordieu.
Estimular o exercício da autoria (narrativas sem próteses culturais (Bordieu); estimular a expressão e auto-reconhecimento coletivo, no nosso entendimento seriam ações necessárias também para a conquista da auto-estima, que entedemos, se encontra cada vez mais ameaçada pela globalização das comunicações, uma marca do nosso tempo histórico que tem seus aspectos positivos já que nos aproxima por um lado, mas que por outro promove cada vez mais a homogeneização e autoriza porta-vozes para os grupos sociais - limitando o exercício da reflexão e da responsabilidade dos protagonistas das histórias. Até aqui nenhum problema, mas, em um sistema acadêmico, ainda bastante marcado por ortodoxias, muitas vezes encontramos dificuldade em definir a que campo pertencemos, e mesmo onde se encontra a cientificidade do nosso trabalho. E por isto, uma parte significativa das nossas ações seja investigar nossos pares. O surprendente deste processo de busca sobre filiação tem sido o de constatar que não estamos sós. Antes pelo contrário, comprovamos que esta é uma tendência preponderante no campo das ações transdisciplinares educativas que visam a mudanças sociais com o propósito de trazer à luz o anonimato de protagonistas de histórias da cultura, ou de tornar visível o invisível (conforme o Movimento Transnacional denominado Histórias de Mundos Possíveis, com matriz na Università Popolare di Roma). Nesta investigação, que fazemos paralelamente aos objetivos do projeto, encontramos inúmeras iniciativas neste sentido, desenvolvidas nos mais diferentes continentes e culturas. Então, se antes pensávamos que a sistematização e justificativa da metodologia da nossa pesquisa - fundada na narração de histórias elaboradas na primeira pessoa, e que utiliza como método a foto/vídeo/texto-narração - podería soar academicamente inconsistente, hoje, ao contrário, sabemos que estamos em sintonia com uma tendência e alternativa concreta para este tipo de trabalho sociocultural.
Com estas constatações aprendemos especialmente que: devemos acreditar naquilo que realmente acreditamos, ainda que a princípio não encontremos amparo acadêmico que o legitime; e que devemos arriscar, quando aquilo que acreditamos tem como fundamento a experiência vivida, o conhecimento acumulado, e, a intuição... Afinal, a intuição é uma forma de conhecimento, e por esta razão não pode ser descartado, porque é um tipo de conhecimento que tem sua origem em âmbitos muito profundos, os quais nem sempre conseguimos diagnosticar de imediato. Quando da elaboração do projeto - resultado de outras experiências acadêmicas e pessoais - não utilizamos como ponto de partida a intuição. No entanto, ainda que conciente do que e do porque queríamos fazer, sabíamos que com ela, a intuição, contávamos, pelo menos nos aspectos relativos a cientificidade dos nossos métodos e metodologia, e sabíamos por um lado, que adentrávamos em uma área fonteiriça à Sociologia, Antropologia e História Social (portanto um campo ao qual, acadêmicamente não estávamos filiadas), ao mesmo tempo que um campo de pesquisa em construção e transdiciplinar por excelência. Por outro, sabíamos, por estas razões, que teríamos que, ao passo do trabalho, investigar e sistematizar os métodos e metodologia de trabalho. E, esta foi uma grata descoberta e confirmação que logramos neste proceso de investigação, já que, aquilo que intuíamos se confirmava com a identificação de inúmeros grupos de pesquisa que investem, tal como no nosso caso, em experimentar, investigar, analisar e sistematizar métodos - estruturados ou espontâneos, novos ou já existentes - que deem conta de pesquisas transdiciplinares com enfoque em pesquisas narrativas que ainda não estão contempladas por pensamentos/sistemas acadêmicos, mas que nem por isto são menos importantes.
Assim, definimos e filiamos nosso trabalho à pesquisas fundadas em metodologias transdiciplinares, e em múltiplas e complementares formas de narração (identificadas e praticadas por diferentes grupos de ação que podem ser encontrados no site Stories of Posible Worlds):
• Escrituras autobiográficas e biográficas - textos referidos a si próprio ou histórias de outros;
• Foto-narrações - através de reportagens fotográficas também com textos;
• Vídeonarrações - realizadas, seja diretamente pelos protagonistas das experiências ou por outros;
• Audionarração - audiohistórias construídas através de reportagens, entrevistas e narrações orais;
• Outras formas de linguagens- - poética, narrativa, ficção, fotoromance, gibi, ou outras formas artísticas de narração.
E nos filiamos ainda com os propósitos deste grupo de:
• Valorizar as experiências de mudança social, trazer à luz aquilo que é invisível ou pouco notado (...).
• Fazer memória, subtrair estas realidades do esquecimento, (...) como um banco de experiências concretas narradas na primeira pessoa, individualmente ou em grupo.
• Dar conhecimentos, contribuindo com a investigação e com a formação, para a criação de uma sabedoria compartida.
• Dar espaço para aqueles atores coletivos (novos ou tradicionais) que personificam as práticas alternativas.
• Difundir as experiências de luta e mudança social, através da realização de instrumentos de comunicação, para alimentar as práticas sociais alternativas e incidir sobre as decisões políticas.
Teresa Lenzi
18 05 09 as 24:10 minutos
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